O que podemos aprender com a digitalização e o governo 4.0 da Estônia?

Um país com pouco mais de 1 milhão de habitantes, mais de 50 anos de União Soviética e um dos governos mais modernos do mundo. Essa é a Estônia, o pequeno país báltico que, em 30 anos, saiu da estrutura burocrática da era soviética para uma transformação digital completa. O atual cenário do país é tão interessante que, não à toa, sua história é um dos principais exemplos apresentados na matéria de capa da última revista EXAME. Intitulada “Governo 4.0”, o texto, assinado pelo trio de jornalistas Fabiane Stefano, André Jankavski e Ernesto Yoshida, mostra como “as tecnologias digitais estão melhorando os serviços públicos e mudando a forma como o governo interage com os cidadãos.” Vale a pena a leitura.

Voltando a Estônia, o país é muito mais que uma referência em administração pública digital, é um grande laboratório de estudo para gestores públicos de todo o mundo. Dos 1.3 milhão de estonianos, cerca de 98% possuem RG digital, documento que inclui um chip e garante acesso a mais 500 serviços do governo. Para se ter uma ideia, atualmente, apenas três serviços públicos exigem a presença do cidadão estoniano: transferência de imóvel, casamento e divórcio. Todos os demais serviços, incluindo eleições, são feitas por vias digitais.

De acordo com o governo estoniano, nas eleições municipais de 2017, um terço dos eleitores (aproximadamente 186 mil pessoas) votou online, sendo que 23% do total efetuou o voto pelo celular. Segundo Toomas Hendrik Ilves, presidente do país entre 2006 e 2016, “conseguimos poupar 2% do nosso PIB graças à digitalização” (se levarmos em conta o PIB de 2017 – cerca de US$ 25.92 bilhões – estamos falando em uma economia na casa dos 500 milhões de dólares).

Os pontos fortes de um governo 100% digitalizado

Segundo o texto da revista EXAME, “a agenda da digitalização de governos ganhou impulso nos últimos anos com o avanço da inteligência artificial. A tecnologia que tenta imitar a capacidade humana de resolver problemas complexos é vista como uma ferramenta para a formulação de políticas públicas.” No entanto, a IA é o segundo passo da digitalização e, no Brasil, estamos longe de implementar esta fase. De acordo com a ONU, somos os 44º no ranking de países com digitalização do governo.

Mas, então, por onde devemos começar? A primeira lição que a Estônia nos traz é a integração. Atualmente, 2.973 serviços públicos são oferecidos pelo governo brasileiro, mas pouco mais da metade não está digitalizado e, os que estão, não “conversam” entre si. Ou seja, para cada serviço digitalizado, uma senha e/ou login diferente é gerado. No país báltico, todos esses diferentes sistemas conectam-se a uma única plataforma, chamada de X-Road (veja o vídeo abaixo), e a autenticação é feita por meio do RG com chip (no caso da versão móvel, os serviços dispensam o uso do cartão físico).

Outro ensinamento vindo da Estônia é o cenário legislativo do país. Em entrevista para o portal UOL, Anna Piperal, responsável pela agência governamental que promove o desenvolvimento de parcerias, afirma que “nosso governo se mexe muito rápido, mais do que os outros, para adaptar leis e regulamentações (ao ambiente online). É importante ter uma liderança focada no digital, que queira fazer mudanças.”

Piperal também afirma uma visão ousada do governo da Estônia: “Não pensamos nesse modelo como um projeto de governança, mas sim como uma marca. A marca de uma sociedade digital que conecta diferentes parceiros, sejam empresas ou outros países, com o objetivo de tornar a administração pública mais conveniente e eficiente para todos.”

Visão que, aliás, é muito bem representada na visão de futuro e no planejamento do país. Segundo o e-Estonia, site oficial do governo estoniano, ainda existem 10 passos para serem implementados no país, que vão de “uma nação digital” (uma evolução do e-Residency – residência virtual -, um cartão que permite abrir uma empresa no país e gerenciá-la remotamente), até a implementação total de uma indústria 4.0.

Se existe um ensinamento principal do modelo de governo estoniano, este é a mudança de mentalidade. Veja bem, estamos falando de um país jovem que, durante décadas, ficou isolado por trás da Cortina de Ferro e amarrado as burocracias de um bloco antiquado e “voou” para a digitalização completa. Para entendermos o cenário, o orçamento público total da Estônia no primeiro ano após a independência da União Soviética era de 113 milhões de euros (menos de 100 euros por cidadão por ano). Exatos 30 anos depois, vemos o mesmo país tendo como visão que “as cidades inteligentes representam o ponto de encontro entre três dos principais temas que discutiremos no futuro próximo – transformação digital, questões ambientais, desempenho econômico.”

Em resumo, como vimos alguns parágrafos acima, a Estônia não vê o setor público apenas como mais um setor, mas como uma marca de uma sociedade digital que conecta diferentes atores e funciona como um facilitador.

Crédito: Imagem Destaque – Dmitry Tkachenko Photo/Shutterstock