A cultura maker, próteses do futuro e a evolução das tecnologias assistivas

A cultura maker, próteses do futuro e a evolução das tecnologias assistivas
Créditos: Campus Party Brasil/Divulgação

Se você acompanha os conteúdos que produzimos semanalmente aqui no Tellus, talvez tenha visto quando falamos sobre a revolução nas tecnologias assistivas. Caso não tenha lido, sugerimos que dê uma olhada na primeira parte do texto “10 previsões para 2019, segundo a Nesta”. Nele falamos como o impacto da quarta revolução industrial irá inundar a tecnologia assistiva. Mas antes de seguirmos em frente com esse tema, precisamos fazer um parênteses no texto e comentar sobre o que vivenciamos na última semana, durante a Campus Party Brasil 2019.

Quem esteve presente no evento deste ano, viu que a cultura maker está mais forte do que nunca. Tanto na área Open Campus (gratuita para todos), quanto nos palcos exclusivos para campuseiros, impressoras 3D e kits de desenvolvimento de plataformas IoT (internet das coisas) estavam a disposição do público, do mais leigo ao especialista. Assim como já foi possível em outras edições, só que desta vez em uma escala muito maior, os visitantes podiam montar pequenos robôs e soluções diversas com o apoio de especialistas do cenário maker.

Voltado ao tema de tecnologias assistivas, imagine essa cultura maker aplicada à pesquisas para pessoas com algum tipo de limitação física. Próteses mais adaptáveis ao corpo humano é o objetivo de um novo projeto envolvendo a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), a Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Poli-USP e, no IPT, o Laboratório de Processos Metalúrgicos. O projeto para o desenvolvimento de próteses ortopédicas das ligas Nb-Ti (nióbio-titânio) e Ti-Nb-Zr (titânio-nióbio-zircônio) por fusão seletiva a laser entrou em uma nova fase no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) com a fabricação das primeiras peças por impressão 3D, que utiliza um pó composto pelas ligas dos dois materiais.

A primeira fase do trabalho iniciou-se em 2017 com a produção dos pós químicos das ligas, a partir de uma série de exigências necessárias para trabalhar com o sistema de deposição. A segunda fase concentra-se na manufatura aditiva, ou seja, a fabricação e a caracterização das peças, que será seguida pela execução de ensaios mecânicos, com isso, os pós químicos das ligas estão sendo usados para a construção de próteses de quadril (no caso do projeto, as placas angulares de fêmur). O resultado buscado pelo projeto do IPT é a obtenção de peças não apenas de alta densidade relativa, mas principalmente com baixo módulo de elasticidade (rigidez do material). As ligas comumente usadas em próteses têm um alto módulo de elasticidade, e estudos recentes apontaram que o nióbio, quando adicionado ao titânio, pode reduzir esse valor.

Para o paciente, a importância do baixo módulo de elasticidade pode ser explicada pelo fato de o padrão normal de solicitação mecânica de um osso ser alterado de modo crítico quando um implante metálico é empregado em cirurgias ortopédicas. O osso e o implante passam a compartilhar o carregamento aplicado e, de acordo com a capacidade de adaptação do osso hospedeiro, pode ocorrer uma redistribuição da massa óssea com desmineralização em regiões próximas ao implante. “É preciso que o módulo de elasticidade da prótese seja o mais similar ao do osso para que não aconteça o chamado stress shielding, ou seja, a descalcificação”, explica Jhoan Sebastian Guzman Hernández, um dos engenheiros que integram o projeto. “A intenção é que a carga do corpo fique distribuída tanto no osso quanto na liga”.

A liga nióbio-titânio faz parte da lista de novos materiais que estão sendo propostos atualmente para a construção de próteses – atualmente, o uso dela é restrito praticamente à fabricação de supercondutores. “Além da liga apresentar potencialmente baixo módulo de elasticidade, outra de suas vantagens está no fato de serem dois materiais inertes, ou seja, eles não reagem com o corpo humano”, explica Daniel Leal Bayerlein, pesquisador do Laboratório de Processos Metalúrgicos e coordenador do projeto.

Dito isso, voltemos ao cenário maker. A facilidade em imprimir próteses em 3D a partir de um pó químico permite que as próteses sejam mais “customizáveis”, tornando menos padronizadas e mais acessíveis, além de uma produção em escala mais rápida, evitando que acontecesse algo como a primeira cadeira de rodas motorizada, criada pelo relojoeiro paraplégico Stephen Farfler, e confeccionada em 1665. Mas produzidas em massa apenas 300 anos depois da sua criação.