Durante os anos 1990, Medellín, a segunda maior cidade da Colômbia, viveu um período marcado pela dominação do narcotráfico. A elevada taxa de homicídios fez com que recebesse o triste título de cidade mais violenta do mundo. No entanto, esse cenário ficou para trás. Hoje, Medellín é referência em urbanismo social e nos mostra que é possível, sim, fazer grandes mudanças por meio de ações de intervenção urbanística nas favelas.
O movimento começou no início dos anos 2000 e culminou no recebimento do prêmio de “cidade mais inovadora do mundo”, no concurso City of the year, organizado pelo Wall Street Journal em parceria com o Citigroup. É essencial sublinhar que essa transformação foi fruto de um trabalho coordenado e focado na melhoria das condições de vida da população mais carente.
Tivemos a oportunidade de conhecer de perto a nova realidade do município durante uma “viagem de campo” no final de 2020. Com a finalidade de buscar aprendizados para o projeto Redesign de Favelas, eu, Edu Lyra, fundador da ONG Gerando Falcões, Murilo Cavalcanti, secretário de segurança de Recife, e Rafael Hawilla, empresário que apoia o projeto, fizemos uma grande imersão no urbanismo social de Medellín.
A cidade de Medellín é, sem dúvida, um grande laboratório de políticas públicas e projetos de inovação social a céu aberto. Como eles conseguiram realizar mudanças tão profundas? Fomos buscar essa resposta in loco e trouxemos de lá aprendizados muito valiosos, que gostaria de compartilhar com você neste artigo!
A insegurança pode ser combatida com o estímulo à convivência social, pois quanto maior o número de pessoas na rua, mais segura a cidade se torna. Por isso, uma das medidas de combate à violência adotadas na cidade foi, justamente, a criação de espaços de convivência e não o aumento do policiamento.
Portanto, a pacificação se deu também também por meio do urbanismo social, que propôs intervenções a fim de fomentar o convívio entre as pessoas e mudar a relação da população com a cidade. A partir disso, foi possível criar um ambiente seguro para todos os moradores de locais antes considerados violentos e perigosos.
Por trás do projeto de urbanismo social de Medellín, existe um direcionamento muito definido: “fazer o melhor para os pobres”. Isso significa focar em mudar a vida das pessoas que mais precisam. Para fazer isso, os gestores públicos utilizaram o conceito de “acupuntura urbana”, que consiste em localizar desafios sociais — de violência, pobreza etc — e destinar os investimentos sociais exatamente para os locais mais necessitados.
Com essa premissa, levaram equipamentos públicos e soluções inovadoras para as comunidades mais carentes da cidade. Assim, a fim de fazer intervenções sistêmicas dentro das favelas, foram construídas bibliotecas, parques, praças e complexos de educação, cultura e lazer (chamados UVA — Unidades de Vida Articulada).
Graças a essas ações, a população mais carente de Medellín vive, atualmente, em condições melhores do que a população mais pobre do restante da América Latina. Isso porque essas pessoas estão hoje em lugares seguros e têm acesso a melhores oportunidades de educação, trabalho e cultura.
Outra importante lição relacionada à experiência da cidade é o fato de que o processo de implementação das medidas de urbanismo social em Medellín foi feito de forma completamente articulada entre várias frentes.
Primeiramente, o governo criou a Empresa Pública de Desenvolvimento Urbano (EDU), que reunia arquitetos, sociólogos, assistentes sociais e outros profissionais, para coordenar as ações. Além disso, antes de ser finalizada, a criação dos projetos urbanísticos passava por todas as secretarias do município, que contribuíram com diferentes pontos de vista para melhorar a iniciativa.
Por trás das soluções implementadas nas favelas da cidade, há também importantes acordos com a população, com as empresas envolvidas e com o terceiro setor. Para definir esses pactos de convivência, de uso e de cidadania, todos esses atores são reunidos e, assim, dialogam e formalizam o comprometimento.
Além disso, para lembrar os moradores desses pactos, frases relacionadas ficam expostas em diversos lugares da comunidade. Essa ação tem o intuito de provocar uma verdadeira transformação da cultura do local e, consequentemente, fomentar a transformação social.
Por fim, outra ideia que está por trás do conceito de urbanismo social aplicado em Medellín é a necessidade de se construir “lugares” e não apenas “espaços”. Qual é a diferença? O lugar pressupõe a existência de um significado, enquanto o espaço é somente a infraestrutura.
Sendo assim, não se trata simplesmente de “entregar uma obra”, pois vai bem além disso. Por essa razão, o desenvolvimento do projeto é feito a partir de um olhar arquitetônico já voltado à identidade e ao propósito de uso daquele espaço dentro da comunidade.
A experiência da cidade colombiana nos ensina que, mais do que construir “coisas”, para provocar mudanças efetivas, políticas públicas e projetos de intervenção social precisam contribuir para levar acesso e dignidade às pessoas — e esse sentido deve permear todas as ações urbanísticas desse tipo.
E isso tem tudo a ver com o que pretendemos aplicar no Redesign de Favelas, projeto que visa melhorar as condições de vida, renda, habitação e saúde de comunidades brasileiras. Durante a imersão em Medellín, foi possível confirmar que o urbanismo social desempenha um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e menos desigual — e esse é o maior objetivo do nosso trabalho.
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