Se alguém te dissesse que o Brasil ganharia duas cidades inteligentes, você arriscaria em dizer que elas seriam no interior do Ceará? É isso que vem acontecendo nos últimos anos. Desenvolvidos pela italiana Planet Smart City (PSC), os projetos de Laguna e Natal, ambas na região de São Gonçalo do Amarante, se propõem a serem as primeiras “cidades inteligentes sociais” do país.
Segundo a empresa, o conceito é “uma evolução da cidade inteligente, que oferece aos cidadãos um alto padrão de infraestrutura, inovação e tecnologia, além de ser rica no convívio humano e cultural. É um projeto resiliente, inclusivo e acessível, com soluções que visam garantir melhor qualidade de vida aos seus moradores.” Para isso, Laguna e Natal são baseadas em quatro frentes:
Planejamento e arquitetura: Repensada a forma como as cidades devem ser construídas e habitadas. A empresa se propõe integrar “soluções arquitetônicas para oferecer casas de alta qualidade e a preços acessíveis, promovendo um verdadeiro senso de comunidade, que proporciona valor duradouro para os moradores;”
Sistemas tecnológicos: Cabear cidades, cobri-las com sensores e antenas Wi-Fi são medidas certamente úteis, mas não são suficientes. A proposta é que automação residencial, sistemas de controle da qualidade do ar, segurança, entre outros sejam monitorados em tempo real via aplicativo. O Planet App é o painel de controle da cidade e permite a criação de economia circular dentro de cada empreendimento;
Meio ambiente: Focado em uma soluções sustentáveis, as cidades inteligentes do Ceará visam levar a sustentabilidade para todos os pontos do projeto, principalmente o meio ambiente. Por se tratar de uma região quente, a empresa afirma que “de plantas resistentes à seca a tijolos solares e irrigação inteligente, nossas cidades são criadas para dar a todos a oportunidade de uma melhor qualidade de vida.” Além disso, é previsto no projeto plantas com alta captura de CO2, filtros para purificação do ar em ambientes fechados, sistema fotovoltaico nas áreas comuns, iluminação inteligente e hortas urbanas;
Pessoas: O quarto pilar é um dos diferenciais da nova proposta. Quando falamos em cidade inteligente, pensamos na digitalização do espaço urbano e só inserimos o fator humano como uma “consequência.” Como as duas cidades estão sendo criadas do zero, a proposta é desenvolver uma cidade mais social. Segundo a PSC, “viver em uma cidade inteligente é mais do que apenas possuir uma casa. Criamos comunidades que são inteligentes, sustentáveis e socialmente inclusivas e capacitam os cidadãos a fazer a diferença em sua comunidade local. É por isso que nossas cidades fornecem cinema, biblioteca e cursos gratuitos, diretrizes de melhores práticas sobre nutrição e desperdício de alimentos, espaços comunitários para trabalho em conjunto, atividades compartilhadas, academias ao ar livre, entre outros, para promover um estilo de vida saudável e colaborativo.”
Com lotes de terrenos que vão de 150 m² e valor em torno de R$ 40 mil até outros menores, disponíveis por meio do programa Minha Casa Minha Vida, o objetivo da empresa é contribuir para diminuir a desigualdade no acesso à moradia. “O Brasil é um dos cinco países do mundo com maior déficit habitacional, ao lado de Índia, China, Nigéria e Rússia”, comenta Susanna Marchionni, CEO do grupo no Brasil. Entretanto, o desafio é grande. Em maio de 2019, o jornal Gazeta do Povo, fez uma matéria sobre os dois primeiros moradores de Laguna. Martha Rodrigues Alves e Carlos Henrique da Silva Carneiro trocaram o agito do Rio de Janeiro pelo sossego da cidade inteligente no interior do Ceará em janeiro de 2019. Desde então, nenhum outro morador se mudou e (na época), se passado quatro meses da mudança, só os dois moravam na cidade inabitada.
Dá para entender a atual ausência de moradores, afinal, a cidade está prevista para ficar completamente pronta apenas em 2021. O projeto do empreendimento tem 330 hectares, para cerca de 25 mil moradores. Mas a obra foi dividida em duas etapas e seus habitantes vão ocupando o local de acordo com o avanço da segunda etapa. No entanto, por se tratar de uma região longe dos grandes centros urbanos, isso também torna-se um desafio para atrair novos moradores.
Para quem não liga de estar longe das grandes cidades, a proposta é interessante, já que o diferencial da cidade inteligente é ter tudo próximo; como hospital, escola e empresas. Espaço que serão construídos no decorrer do andamento do projeto.
Segundo Marchionni, uma das primeiras medidas é construir o chamado hub de inovação, uma obra de cerca de 1 mil m² que abriga biblioteca, cinema e salas de aula onde são oferecidos cursos de inglês, tecnologia e empreendedorismo, por exemplo. E tudo de graça — inclusive para quem não mora no complexo. “Mesmo que uma pessoa não tenha condições financeiras de viver lá, ela pode ter acesso aos serviços”, garante a executiva italiana. Já as áreas de comércio e empresas são projetadas de modo que os moradores não precisem se deslocar por muito tempo — o que diminui a poluição.
Apesar do nome comercial, Laguna e Natal não são municípios brasileiros. Os projetos funcionam como condomínios abertos e o acesso é livre. Tanto que, os serviços gratuitos, como as aulas de inglês, estão disponíveis para moradores e pessoas que vivem no entorno. O projeto da “cidade inteligente” teve um custo de US$ 50 milhões e foi totalmente pago pela empresa construtora. De acordo com a executiva, o retorno desse capital está previsto para os próximos cinco anos e o faturamento vem desde a venda dos terrenos até a monetização prevista para o aplicativo, ao cobrar das empresas a utilização de espaços publicitários para oferecer serviços ou produtos para os moradores.
Transformar cidades existente em cidades inteligentes demanda altos investimentos que o setor público, dificilmente, conseguiria fazer sozinho. Principalmente no contexto brasileiro. No texto “5G no Brasil: Os desafios do setor público”, falamos sobre um dos desafios deste cenário. Por isso, a possibilidade de ter o investimento privado como suporte destes projetos é algo, de certa forma, inteligente. A questão é: quem está interessado neste tipo de investimento?
No texto “Innovation Park: Uma cidade inteligente com blockchain e no deserto”, vimos o exemplo da cidade inteligente que está sendo criada pelo milionário Jeffrey Berns. Ele comprou uma área de mais de 27.000 hectares, no estado de Nevada (EUA), e quer transformá-la em uma cidade inteligente alimentada por blockchain.
Em Laguna e Natal, a empresa italiana viu uma oportunidade em criar pequenos ecossistemas próprios que, ao mesmo tempo que incentiva a economia circular, possibilita a venda de publicidade direcionada (algo bem parecido com os formatos de mídia out-of-home, utilizados em televisores instalados nos elevadores de grandes condomínios). Já a relação setor privado e público é o mesmo que qualquer empreendimento imobiliário de grande porte, a única diferença é que, neste cenário, pequenos municípios podem se beneficiar, desde que tenham grandes áreas disponíveis para venda.
Em julho de 2019, o governo federal lançou em São Paulo, o Programa Nacional de Estratégias para Cidades Inteligentes Sustentáveis. Estabelecendo indicadores e metas, a solução impulsionará a transformação das cidades brasileiras em cidades inteligentes. O secretário nacional de Telecomunicações e Políticas Digitais do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Vitor Menezes, afirmou no evento de lançamento que o conceito de cidade inteligente envolve cidades que usam infraestrutura de tecnologia, inovação e comunicação, “e que promove o bem-estar da comunidade através de quatro vertentes: social, ambiental, cultural e econômico.”
“Esse plano nacional é uma política pública do governo, [lançado] pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, que vai organizar e agregar os demais ministérios ao projeto. A ideia é que a gente possa trabalhar, inclusive em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Regional, dentro de uma Câmara de Cidades Inteligentes, que devemos criar nos próximos dias”, explicou o secretário.
Segundo o secretário, o plano é importante porque a maior parte da população brasileira – cerca de 85% do total – vive nas cidades. “E é importante que as cidades hoje tenham maior qualidade de vida, que elas tenham capacidade de gerar riqueza para a população, que elas tenham segurança, que os pais tenham tranquilidade com seus filhos e que as pessoas daquela cidade tenham acesso à tecnologia”.
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